data-filename="retriever" style="width: 100%;">"Dai-nos, Senhor, a paz que vos pedimos. A paz sem vencedores e sem vencidos". Assim começa o poema da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, publicado em 1972. Mas o que significa uma paz sem vencedores e sem vencidos? Uma paz dessa natureza supõe um consenso, supõe que alguém abra mão e renuncie algumas coisas e vá ao encontro do outro, no que ele tem de mais precioso. Supõe o resgate da nossa condição de humanidade. De entender o mundo como além de cada um de nós.
Eliana Yunes, professora da Cátedra Unesco de Leitura, esteve por aqui e falou muito sobre isso e sobre leitura. Não só das palavras, mas da leitura de mundo. Nas palavras da professora, você vai se tornando humano à medida em que descobre o mundo, e esse mundo são os outros. O mundo não são só as árvores, os rios, os campos. O mundo é o outro, que está do meu lado e quer, como eu quero, ser humano e ser feliz. É no outro que eu me reconheço como pessoa humana.
O Rafael e a Manu são alunos de uma escola de Santa Maria. Rafael tem paralisia cerebral e a Manu tem autismo. Mas isso é apenas um detalhe quando eles entram na biblioteca e são recepcionados pela professora Laura e uma mala de livros. As crianças mudam completamente. Rafael fica tão contente que tenta, à sua maneira, "ler" uma história para a Elisabete, a coleguinha que também adora uma história. Ela tem baixa visão e, feliz da vida, embarca nas histórias do Rafael. A Manu se transforma quando abre um livro, nos olhos, no sorriso, no comportamento. O trio encontra nos livros um mundo muito maior do que aquele que é oferecido a eles. Penso que são as imagens dos livros que dão a eles a possibilidade de ler e entrar na história e nos personagens, que ampliam suas visões de mundo, que possibilitam rasgar as perspectivas de horizontes que eles têm.
Ludwig Wittgenstein, um dos filósofos mais importantes do século 20, costumava repetir que o tamanho do mundo é o tamanho da minha linguagem. Aquilo de que eu não posso falar, não existe. Só existem as coisas das quais eu posso dizer alguma coisa. Essas existem para mim. E é neste sentido, entendo eu, que a arte, a literatura, é um direito de todos nós. À medida em que a gente entra dentro das histórias contidas nas obras, nos quadros, nos filmes, nos livros, alargamos nosso horizonte de compreensão, de sensibilidade e ampliamos nossa condição humana. Nos humanizamos. A experiência da literatura é humanizadora, como diz Eliana.
A gente, que não pode viver muitas vidas, pode ler estas muitas vidas e entrar na vida dos personagens de histórias como São Bernardo, Dom Casmurro e tantas outras. Segundo a professora, a gente vai ampliando nosso horizonte de mundo e enriquecendo nossa sensibilidade. Sem sermos sensíveis, não há possibilidade de termos tolerância com a diferença. Uma diferença que muitas vezes nos agride, que é injusta. Essa diferença, essa tolerância é que nos permite encontrar uma paz, em que não haja nem vencedores e nem vencidos.